Com a notícia do fechamento das fábricas da Ford no Brasil e a forma como a empresa decidiu fazer tal processo doloroso, fiquei pensando sobre o que impede essa empresa, e outras, de praticarem a humanidade até em decisões difíceis e necessárias.
Ter uma empresa no Brasil não é fácil. Eu sei porque sou sócia de uma consultoria em São Paulo. Alto custo com pessoal, mão de obra de baixa qualificação e formação, impostos que não retornam em bem-estar para a população são um resumo dos desafios dos empresários neste país. Combinando esses fatores à má gestão do negócio, invariavelmente, há muitas decisões de fechamento de empresas. A Ford foi mais uma. Mas isso, definitivamente, não impede ninguém de tornar o processo demissionário digno para todos: colaboradores, famílias, fornecedores, parceiros e, também, comunidades.
Prestei consultoria para uma empresa que decidiu mudar sua operação produtiva de um bairro na cidade de São Paulo para um município do Interior. Aprendi muito com esse processo porque a principal premissa do cliente era: independentemente do que formos fazer, faremos da forma mais digna, respeitosa e inclusiva que nosso orçamento permitir.
Meu cliente criou um grupo multidisciplinar e multi-hierárquico responsável pelo processo de fechamento da unidade. Eu, de fora, fazia parte deste grupo. Muitos grupos-tarefa também foram criados com pessoas se voluntariando para participar e ajudar no processo, permitindo que cada um desempenhasse o melhor de si em busca de alternativas. Ou seja, a transição foi transparente e houve mais gente querendo ajudar do que resistências.
Muita comunicação e abertura para ouvir.
Foram envolvidos não só colaboradores com plano de demissão voluntária, recolocação do topo à base, opções de transferência e opção de continuar colaborador para aqueles que queriam por conta própria se mudar para o Interior. Sindicato e comunidades no entorno cujos comércios e imóveis dependiam das pessoas que trabalhavam na empresa também foram considerados. Treinamentos com o Sebrae para quem queria abrir um pequeno negócio, parceria com SENAI para capacitações técnicas foram abertos não só para os colaboradores, mas para pessoas mapeadas da comunidade.
Tudo isso dentro do orçamento que a empresa tinha. Todas as empresas têm limitações de recursos, mas as decisões tomadas para o uso desse orçamento fazem muita diferença.
A transição durou 18 meses. A qualidade do produto durante todo o processo não mudou e, por incrível que pareça, a eficiência aumentou. Ao final, haviam pessoas orgulhosas de terem feito parte dessa história e de “apagar a luz” da unidade. A imagem organizacional (employer branding) e o valor de marca aumentaram.
Um propósito forte compartilhado, inclusivo e com pessoas sendo convidadas a participarem de todo o processo, mesmo com limitação de orçamento, podem fazer uma decisão difícil acontecer com muita dignidade e humanidade. É só escolher assim!
Por Roberta Ebina, sócia diretora da Muttare